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Coluna do PVC

O auxílio de Johan Cruyff para o Ajax voltar a exercer sua vocação

PVC

23/05/2017 11h21

Por Felipe dos Santos Souza

Este não é mais o Ajax."

Assim, com esse tom desolado, Johan Cruyff começou sua coluna no caderno de esportes do jornal "De Telegraaf", em 20 de setembro de 2010. Cinco dias antes, o Ajax sofrera 2 a 0 do Real Madrid, na fase de grupos da Liga dos Campeões. Poderia ter sido 5 a 0: era um Ajax medroso, defensivo, nem de longe lembrando qualquer coisa a ver com Futebol Total, com o gigante europeu que um dia tinha sido.

Por isso, Cruyff pedia na coluna: era hora de os antigos ídolos se reaproximarem do Ajax, de participarem mais da vida do clube, de fazer o clube se reaproximar do estilo que o fizera famoso: revelando jovens, atuando ofensivamente, agradando a quem via os jogos.

Pedido de Cruyff, na Holanda, se cumpria, mesmo com muita discussão. Por causa do pedido, vários ex-jogadores começaram a participar do Conselho Deliberativo, como Aron Winter e Edgar Davids (este logo saiu). Por causa do pedido, Frank de Boer, que começava a carreira de técnico nos juniores do clube, foi promovido, em lugar de Martin Jol – com Dennis Bergkamp, outro nome histórico, como auxiliar. Por causa do pedido, mais um nome marcante foi dirigir a base do clube: Wim Jonk. 

Estava iniciada a chamada "Revolução de Veludo": nos bastidores, o Ajax se reformulava para reconquistar o poder que sempre tivera na Holanda. Foi tetracampeão nacional, entre 2011 e 2014 – marca que não fora atingida nem mesmo nos tempos de Cruyff. Revelou muita gente que hoje joga em centros mais importantes: Vertonghen, Alderweireld, Daley Blind, Eriksen… do lado de fora do campo, os ídolos continuavam voltando: Marc Overmars chegou para ser diretor de futebol em 2012 – mesmo ano em que Edwin van der Sar foi dirigir o marketing, para aprender um pouco antes de ser diretor geral do clube, cargo que passou a ocupar no ano passado.

Na Holanda, o domínio era claro. Mas era preciso mais. E aí as discordâncias surgiram: Cruyff e Wim Jonk continuavam pedindo prioridade total à base, enquanto a dupla Van der Sar-Overmars via que precisava de contratações. Em 2015, os segundos "ganharam a queda de braço". Jonk saiu do Ajax, e Cruyff afastou-se do clube onde despontou, simultaneamente à descoberta do câncer de pulmão que o matou.

Os jovens seguiam surgindo aos borbotões: Kenny Tete, Jaïro Riedewald, Donny van de Beek, Vaclav Cerny, os "veteranos" Davy Klaassen e Joël Veltman… mas Van der Sar e Overmars decidiram: não bastava formar jovens, era preciso comprar jovens. E era preciso renovar o trabalho estagnado de Frank de Boer, que saiu após a perda dramática do Campeonato Holandês 2015/16, na última rodada. Bastou para apostarem em Peter Bosz, ídolo do arquirrival Feyenoord quando jogador (era atacante, jogou a Euro 1992), que veio do Maccabi Tel Aviv – cujo diretor técnico é… Jordi Cruyff, filho de Johan! Incrível!

As compras começaram tímidas: Bertrand Traoré chegou emprestado do Chelsea, Kasper Dolberg foi trazido do Silkeborg-DIN por 8 milhões de euros, Davinson Sánchez chegou por 7,5 mi de euros do Atlético Nacional recém-campeão da Libertadores… só que não adiantou: em meio à reformulação, o Ajax foi eliminado vexatoriamente na preliminar da Liga dos Campeões, pelo Rostov-RUS.

Parecia o fim. Foi o começo. Porque aí o Ajax abriu realmente os cofres. Trouxe Hakim Ziyech, talentoso meio-campista marroquino, por 11 milhões de euros. Passou a primeira metade da temporada se entrosando, com Peter Bosz colocando em prática o estilo ofensivo que tinha em mente (inspirado por Pep Guardiola e… Cruyff, sempre ele). A escolinha do clube foi revelando mais gente, como Matthijs de Ligt e Justin Kluivert. No início deste ano, a prova de que não seriam poupados esforços: David Neres chegando como a segunda compra mais cara da história do Ajax.

E assim o Ajax voltou a uma final de torneio europeu, 21 anos depois de pegar a Juventus na final da Liga dos Campeões 1995/96. Ofensivo, revelando jovens – na semifinal contra o Lyon, cinco jogadores que terminaram a partida haviam nascido depois do 1996 em que o Ajax estivera na final da Champions.

Tudo graças à ideia de Cruyff em 2010. Como quase sempre foi, no futebol da Holanda.

 

Sobre o Autor

Paulo Vinicius Coelho é jornalista esportivo, blogueiro do UOL, colunista da Folha de S. Paulo. Cobriu seis Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018) e oito finais de Champions League, in loco. Nasceu em São Paulo, vive no Rio de Janeiro e seu objetivo é olhar para o mundo. Falar de futebol de todos os ângulos: tático, técnico, físico, econômico e político, em qualquer canto do planeta. Especializado em futebol do mundo.

Sobre o Blog

O blog tem por objetivo analisar o futebol brasileiro e internacional em todos os seus aspectos (técnico, tático, político e econômico), sempre na tentativa de oferecer uma visão moderna e notícias em primeira mão.