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Coluna do PVC

Tite prefere Neres a Dudu e aumenta debate sobre nível do futebol no Brasil

PVC

08/03/2019 16h26

Tite disse em entrevista ao programa Visão FOX, em novembro do ano passado, que o nível do Campeonato Brasileiro não é fraco. "É dentro do investimento que recebe. De dinheiro e de ideias". Na época, afirmou que o rendimento de Dudu aumentou no segundo semestre. O melhor jogador do Brasileirão não foi chamado nenhuma vez naquele período porque as convocações coincidiram com finais da Copa do Brasil e do Nacional, vencido pelo Palmeiras.

Agora é diferente. Na disputa com David Neres pela vaga de Vinicius Junior, anunciada aqui na quarta-feira (6), Dudu ficou em segundo plano. A ausência do melhor jogador do Brasileirão só não chega a ser um escândalo, porque David Neres está jogando muito bem pelo Ajax e porque Dudu não jogou no retorno das férias no mesmo nível do ano passado.

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Mas é um símbolo. Se o melhor jogador do Brasileirão não é convocado desde março de 2017, há algo errado com o campeonato.

Só que há contrastes, informações de outros lugares que desmentem que o sucesso no Campeonato Brasileiro não dê segurança para convocar quem aqui se destaca. Tite convocou 42 jogadores depois da Copa do Mundo. Destes, nove (21%) atuavam por clubes daqui. Hugo, Phillippe, Brazão, Wéverton, Fágner, Dedé, Everton, Paquetá e Pedro. Como os três primeiros foram goleiros sub-20, para ganharem experiência, é justo reduzir a análise para 39 atletas, dos quais apenas seis eram de times da Série A.

Das dez seleções sul-americanas convocadas em março, sete têm jogadores do Brasileirão. Foram 16 convocados: um pela Argentina, dois pelo Uruguai, cinco pelo Paraguai, dois pelo Peru, um pela Venezuela, três pela Colômbia e dois pelo Brasil. Chile, Bolívia e Equador não escolheram ninguém daqui. São 6% dos 230 convocados. É pouco.

Significa que a crise do futebol jogado no Brasil é mais grave do que a do futebol brasileiro. Porque 10% dos escalados nas oitavas-de-final da Champions League nasceram nestes 8,5 milhões de quilômetros quadrados.

Dudu nasceu em Goiânia, jogou na Ucrânia, recusou a China, decidiu ficar no Brasileirão para ser ídolo do Palmeiras e voltar à seleção. Não consegue. Tite não o convoca. Ele está fora do protótipo do jogador que atua na Série A. Não é veterano nem juvenil, não está abaixo dos 20, como Rodrygo, nem acima dos 30, como Diego. Mesmo assim, decidiu ficar. Sua presença melhora o nível do Brasileirão. Tite acha que não melhora a qualidade da seleção.

Nestes casos, fica sempre a ideia de que o melhor caminho para vestir a camisa amarela é arrumar um contrato no exterior. Não pode ser assim. Por outro lado, Tite não pode convocar se não estiver convencido de que o jogador tem qualidade. É o caso do craque do Brasileirão, eleito assim pela CBF. Luan também foi eleito o melhor da América do Sul, em 2017. Só foi chamado por Tite duas vezes, ambas antes do prêmio.

Significa que Tite não leva em conta o desempenho de quem joga na América do Sul? Não. Esta afirmação não parece exata. Tite não se convence com o futebol de Dudu, nem de Luan.

Quatro jogadores de sucesso na Europa e que atuaram no Brasileirão de 2018 gritam que o nível individual do futebol jogado no Brasil não é ruim — o nível coletivo é diferente. Arthur, Militão, Vinicius Junior e Paquetá chegaram fazendo sucesso na Champions League e nos seus campeonatos nacionais. Dos quatro, Arthur e Paquetá foram convocados quando ainda estavam no Brasileirão. Militão e Vinicius Junior, só quando chegaram ao velho mundo.

É triste perceber que a eleição de melhor jogador do Brasileirão não significa nada em termos internacionais. Que o técnico da seleção não reconhece esse talento como suficiente para ter uma vaga na seleção, mesmo sendo para substituir um jogador cortado. É mais um capítulo da falta de parâmetro técnico do campeonato que se joga aqui.

A avaliação segue sendo a de que, individualmente, ha muito talento. Mas o grande déficit do futebol jogador no Brasil é do jogo coletivo. Quando o time empurra, o talento explode. Time bom consagra jogador ruim, time ruim enterra jogador bom. Por isso, muita gente só percebeu Richarlison quando chegou à Inglaterra.

Dudu não é do mesmo nível de Vinicius Junior, Paquetá, Militão e Arthur. Mas merece uma chance.

Mesmo com tudo o que está aí acima, no papel de técnico da seleção brasileira, eu chamaria Dudu. Porque é preciso valorizar quem decide jogar em alto nível permanecendo no Brasil.

Veja os convocados por Tite para os amistosos

UOL Esporte

Sobre o Autor

Paulo Vinicius Coelho é jornalista esportivo, blogueiro do UOL, colunista da Folha de S. Paulo. Cobriu seis Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018) e oito finais de Champions League, in loco. Nasceu em São Paulo, vive no Rio de Janeiro e seu objetivo é olhar para o mundo. Falar de futebol de todos os ângulos: tático, técnico, físico, econômico e político, em qualquer canto do planeta. Especializado em futebol do mundo.

Sobre o Blog

O blog tem por objetivo analisar o futebol brasileiro e internacional em todos os seus aspectos (técnico, tático, político e econômico), sempre na tentativa de oferecer uma visão moderna e notícias em primeira mão.