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Coluna do PVC

A seleção ainda é nossa paixão secreta?

PVC

18/05/2019 01h18

O teto do túnel acústico caiu e atingiu um ônibus na ligação entre a zona sul e oeste do Rio de Janeiro, o presidente Jair Bolsonaro apoiou um texto absurdo sobre o desgoverno do país que governa, José Dirceu se entregou à Polícia Federal e disse que o vulcão está em erupção, o dólar bateu R$ 4,10. E, no entanto, todos nós xingamos a seleção brasileira nesta sexta-feira (17).
Repetimos exaustivamente: ninguém mais liga para a seleção.

Mas não se falou tanto sobre o dólar ou sobre o túnel que bloqueou o Rio de Janeiro, quanto da seleção brasileira.

Nossa eterna paixão secreta. Tão secreta que nem sabemos que ainda somos apaixonados por ela.

Ódio e amor são sentimentos tão próximos. Se não fossem, quem ligaria para o Tite na sexta?

Mas reclamamos sobre por que Tite não chamou Vinicius Junior ou Lucas Moura, por que não tirou Neymar da lista ou anunciou a retirada da braçadeira de capitão, por que raios há tantos veteranos, mesmo que tenham sido chamados sete jogadores abaixo de 23 anos e seis acima dos 30.

Plágio do sociólogo Ronaldo Helal, que diz que os brasileiros amam odiar os argentinos, que odeiam nos amar, parece mentira, mas é verdade que amamos odiar a seleção e odiamos admitir que a amamos.

Sempre foi assim. Costumamos afirmar que "hoje em dia" preferimos os clubes. Em 1958, na despedida da seleção brasileira para disputar a Copa, uma parte da torcida gritou Corinthians, adversário do time nacional.

Em 1970, Zagallo estreou na seleção com a coluna de Aroldo Chiorino, na Folha, reclamando da convocação de Leônidas, veterano zagueiro do Botafogo. Zagallo respondia que Nilton Santos foi campeão aos 37 anos. Felizmente, Leônidas não chegou até a Copa. Piazza jogou improvisado de zagueiro.

Sábio foi Telê Santana que, em 1982, não fez entrevista coletiva para convocar o Brasil. Chamou aos poucos, à medida em que seus clubes eram eliminados do Campeonato Brasileiro. Foi criticado até por, pela primeira vez, convocar dois jogadores que atuavam no exterior: Falcão e Dirceu.

Dois dias antes da estreia do Brasil na Espanha, em 1982, João Saldanha escreveu na Folha uma coluna sob o título "O Fantasma da estupidez." Afirmava ser preciso diminuir a intensidade dos treinos. "Parem de arrebentar nossos jogadores e montem este time de uma vez."

Neymar vai jogar a Copa América. Claro que vai. Difícil achar um exemplo em seleção de qualquer país de algum técnico que não convocasse seu maior craque por livre e espontânea vontade.

Está claro que Tite terá de impor disciplina a seu melhor jogador, o que ainda não conseguiu mostrar. É sua obrigação.

Que a seleção terá de mudar jogadores da defesa, depois da competição sul-americana.

A média de idade agora é de 27 anos. Na Copa do Mundo foi de 28,2. A França foi campeã com cinco acima dos 30 e oito abaixo dos 23. Sua média, a mais baixa da Copa, era de 26.

O grande problema passa pela discussão sobre a geração, levantada por Luis Figo, aqui no UOL.

De fato, quando se olha para o banco de reservas, a situação é parecida com a de 2018. Faltam mais reservas diferentes, com drible e fantasia. Poderia ser Vinicius Junior ou poderia haver Pedro no lugar de Gabriel Jesus.

Um centroavante diferente de Richarlison, que será ponta, e de Firmino. Chance para mudar a característica do jogo.
Neste caso, importa pouco que Pedro e Vinicius Junior tenham sido convocados e não tenham sido testados, por suas lesões levarem aos cortes.

Seriam alternativas, para transformar jogos difíceis.

Ainda dá tempo.

Mesmo assim, é preciso olhar para dentro de nós e entender a ira depois da convocação. Se ninguém liga mais para a seleção, e se não faltou outro assunto na sexta-feira, queria mesmo estar indignado quando o governo diz que o país é impossível de governar.

Sobre o Autor

Paulo Vinicius Coelho é jornalista esportivo, blogueiro do UOL, colunista da Folha de S. Paulo. Cobriu seis Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018) e oito finais de Champions League, in loco. Nasceu em São Paulo, vive no Rio de Janeiro e seu objetivo é olhar para o mundo. Falar de futebol de todos os ângulos: tático, técnico, físico, econômico e político, em qualquer canto do planeta. Especializado em futebol do mundo.

Sobre o Blog

O blog tem por objetivo analisar o futebol brasileiro e internacional em todos os seus aspectos (técnico, tático, político e econômico), sempre na tentativa de oferecer uma visão moderna e notícias em primeira mão.