Evandro Mota: "Trabalhar com Jorge Jesus exige 24 horas por dia"
Jorge Jesus chegará ao Brasil em tempo de assistir ao Fla-Flu e terá ao seu lado o engenheiro e coaching brasileiro, Evandro Mota. Há 25 anos, Evandro ficou famoso por fazer trabalho de motivador junto com Carlos Alberto Parreira e Zagallo, na Copa do Mundo de 1994. Depois, trabalhou no Flamengo, Fluminense, esteve ao lado de Abel Braga na campanha do Internacional, campeão mundial de 2006. De Abel para Jorge Jesus, exatamente como o Flamengo. Em 2012, Evandro Mota mudou-se para Lisboa para fazer parte da comissão permanente do Benfica. Agora,,será parte da comissão do treinador rubro-negro no Ninho do Urubu.
Na longa conversa abaixo, Evandro Mota conta detalhes da personalidade de Jorge Jesus e da transformação cultural que pretendem fazer no Flamengo:
PVC – Quanto tempo você trabalhou com Jorge Jesus em Portugal?
EVANDRO MOTA – Foram cinco anos. Os três últimos anos dele no Benfica e os dois que passou no Sporting. Foram sete títulos ao todo.
PVC – Ou seja, você chegou na temporada 2012/13, aquela do gol do Kelvin e do título perdido na penúltima rodada?
EVANDRO MOTA – Isso, exatamente. Foi uma das experiências mais difíceis, porque é diferente do Brasil, em que a temporada termina no fim do ano, com festas e tudo. Lá, nós perdemos duas decisões nos quinze dias finais. Para o Porto, com o gol do Kelvin, e para o Chelsea, na Liga Europa. E como as férias eram no meio do ano, era difícil desfazer aquela impressão. Difícil virar a página. (nota – O Benfica liderava o campeonato até a antepenúltima rodada, com quatro pontos de vantagem. Empatou com o Estoril e perdeu a liderança para o Porto, com gol de Kelvin no minuto 92. Jorge Jesus caiu de joelhos no gramado. Três dias depois, o Chelsea venceu o Benfica na final da Liga Europa com gol de Ivanovic no último minuto).
PVC – Você precisou trabalhar aquela imagem do Jorge Jesus caindo no gramado de joelhos?
EVANDRO MOTA – Não. Isso não era necessário. Mas foi uma experiência importante, a de conseguir fazer todos virarem a página.
PVC – Você se mudou para Lisboa, na época?
EVANDRO MOTA – Sim, claro. Porque para trabalhar com o Jorge Jesus é preciso estar 24 horas à disposição. Ele te telefona muitas vezes de madrugada. Ele é apaixonado e perfeccionista.
PVC – Como começou seu trabalho com ele?
EVANDRO MOTA – Quem me indicou foi o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira. Ele ouvia muito falar do meu trabalho, por causa de jogadores brasileiros. Um dia me telefonaram e disse que o presidente tinha vinte minutos na agenda, no Rio, e queria falar comigo. Os vinte minutos duraram duas horas e ele me convidou para ir a Lisboa. Então, sentei-me com Jorge Jesus e fizemos duas reuniões. Uma de quatro horas outra de cinco. Então ele me disse que me queria na sua equipa técnica. Ele é top e tinha muita vontade de trabalhar no Brasil.
PVC – Minha impressão é a de que Jorge Jesus deu certo no Benfica, muito em função de o clube saber que precisava de uma transformação para se equilibrar com o Porto…
EVANDRO MOTA – Você matou.
PVC – Caso contrário, na derrota para o Braga na semifinal da Liga Europa de 2011, ele poderia ter sido demitido.
EVANDRO MOTA – Esse desafio de participar do trabalho de reestruturação, de mudança de cultura, seduz muito ele. Vejamos, ter os melhores jogadores garante o título?
PVC – Não.
EVANDRO MOTA – Ter a melhor estrutura, a maior torcida do Brasil garantem?
PVC – Não, mas a soma de tudo isso deixa mais perto.
EVANDRO MOTA – Exato. Daí a importância de implantar um processo. De transformar a cultura. Algumas coisas você vai perceber, de movimentos. Treino aberto, nunca mais vai ter. Porque treino é um momento de privacidade. Ele exige dos jogadores coisas que aqui não se exige.
PVC – Você trabalhou com Abel no Internacional. O que o Jorge Jesus tem que o Abel não tem?
EVANDRO MOTA – Trabalhei com Abel também no Flamengo, em 2004, também no Fluminense, em 2005. Fomos campeões mundiais em 2006. Mas é injusta esta comparação. Porque Abel e Jorge Jesus têm origens e formações diferentes. Jorge Jesus é autodidata. Trouxe coisas do basquete. O Abel nunca teve no futebol brasileiro coisas que aqui só agora começam a aparecer. O Jorge Jesus faz reciclagem na Uefa a cada dois anos. É oportunidade de se sentar com Guardiola, com Mourinho.
PVC – Voltando à retaguarda que o Benfica lhe deu. Perder o título no gol do Kelvin seria passível de demissão no Flamengo atual. Como convencer o Flamengo a ter essa paciência que hoje não parece existir?
EVANDRO MOTA – Ninguém passa impunemente por situações impactantes como a que ele passou naquela temporada. Hoje ele é mil vezes mais preparado do que quando o conheci. Também para entender como a banda toca no Brasil. Mas ele assiste a tudo. Muitas vezes, ficava assistindo aos jogos e me perguntava sobre jogadores que atuam aqui. Eu desconhecia. Ele me respondia que ele parecia o brasileiro e eu o português. Veja também os depoimentos de jogadores brasileiros. Dos que não conseguiram jogar com ele, como o Cortez. Houve época em que tínhamos um time com quinze nacionalidades. E é impressionante como o desempenho de vários melhorou a ponto de que chegassem a suas seleções nacionais.
PVC – O volante sérvio Matic, por exemplo.
EVANDRO MOTA – É o exemplo que eu ia dar. Mas também jogadores como o Jonas, que diz ter aprendido a parte tática aos 30 anos.
PVC – Num momento em que o Brasil contrata um técnico europeu, para ser uma novidade aqui, como você se sente sendo parte disso 25 anos depois de ficar conhecido na campanha do tetracampeonato da seleção?
EVANDRO MOTA – Eu me sinto orgulhoso, mas entendo que isso é fruto de uma relação de quatro anos. Se não fosse por estes quatro anos, eu estranharia. Mas nós temos uma relação antiga. Na semana em que ele esteve aqui para ver os jogos do Atlético… Vasco e Atlético fizeram sondagens. Ele saiu do Atlético e foi ao Rio. Fui com ele. Um dia, fomos tomar um chope no Bracarense. Os portugueses passavam e cumprimentavam e os rubro-negros diziam: "Se dirigir um time no Brasil, tem de ser o Mengão." Ele respondia que dirigir o Flamengo seria um sonho, mesmo. Mas, depois, em Portugal, quando começaram as conversas sobre o Flamengo ter entrado em contato com ele, ele dizia que não. Até que, dois dias antes da final da Champions, já com o Abel fora, ele me ligou e disse que o presidente Landim queria conversar com ele em Madri. Foi uma pena ter acontecido como aconteceu, porque ele e o Abel têm uma relação boa. Quando eu fui para o Benfica, ele ligou para o Abel para falar a respeito.
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