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Coluna do PVC

As bodas de prata de um falso dilema no futebol brasileiro

PVC

17/07/2019 08h44

Subi a escadaria das arquibancadas do Rose Bowl e posicionei-me bem ao lado dos degraus da descida para a zona mista, a parte do estádio onde jornalistas e jogadores misturam-se para as entrevistas. O teto era áspero e baixo e havia, num espaço de cinco metros, uns vinte jornalistas brasileiros. Pode ser um exagero da memória. Baggio chutou por cima e o soco no ar, discreto, foi inevitável. Quando cheguei à zona mista, a mão ensanguentada anunciava que a comemoração leve chocara-se com a parede bem acima da cabeça.

O vermelho sangue combinou com o salmão das camisetas pólo elegantes da delegação italiana. O tom, meio rosa, juntava-se também aos olhos vermelhos do técnico italiano, Arrigo Sacchi, e do capitão Franco Baresi. Olhos vermelhos pelo choro. A confirmação de que haviam chorado muito veio em entrevistas exclusivas, com os dois personagens da derrota italiana.

Hoje faz 25 anos da vitória brasileira. Do mais envergonhado dos títulos mundiais do Brasil, mas apenas para a crítica. A lembrança de quem tinha 12 anos naquele 17 de julho, como o editor de esportes da Folha de S. Paulo, Paulo Passos, é a de uma vibração incontida e de uma confiança absoluta no troféu desde antes do embarque. Passos provocou este colunista a procurar as pesquisas DataFolha da época. Sua razão está amparada nos números. Na edição de 19 de junho de 1994, véspera da estreia, dois em cada três brasileiros confiavam no tetra. Passos foi um dos responsáveis pela belíssima edição da Folha, desta quarta-feira (17), que lembra os 25 anos da conquista.

Vice-presidente da editora Abril, em 1994, Thomaz Souto Corrêa explicou o relançamento da revista Placar dizendo ter se espantando, no dia da final, com adolescentes vestidos com a camisa da seleção. "Eles gostam de futebol", pensou.

25 anos depois, continuamos repetindo que o Brasil passou a jogar defensivamente porque perdeu para a Itália, em 1982, e reforçou essa tendência depois que Dunga xingou a taça: "Essa é pra vocês, seus traíras, filhos da puta." Não é leitura labial, mas o relato dos fotógrafos postados bem abaixo do pavilhão em que Dunga levantou o troféu, 24 anos depois de Carlos Alberto ter feito o mesmo, com muito mais elegância.

Se fosse verdade que o Brasil passou a jogar com dois volantes por causa de Dunga e Mauro Silva, como explicar o Brasil de 1978 enfrentando a Argentina com Chicão e Batista? Nem Mauro Silva e Dunga eram ruins, nem Chicão e Batista símbolo da ofensividade. Na final do Brasileiro de 1977, Rubens Minelli escalou Viana exclusivamente para marcar Toninho Cerezo e, nos anos seguintes ao tetra, o Palmeiras, o Botafogo, o Vasco e o Corinthians foram campeões brasileiros sem nenhum vestígio de retranca.

Diga-se, aquela seleção não era retranqueira, como Parreira cansou de dizer durante a campanha. Era chata. Jogo de trocas de passes incessantes, porque ter a bola é a melhor maneira de não sofrer gols.

Acima de tudo, o dilema de vencer como em 1994 ou perder como em 1982 é falso num país que ganhou as Copas de 1970 e 2002. As únicas seleções em sistemas que não eram de mata-mata, campeãs vencendo todas as partidas.

Não é preciso contemplar 1994 como o maior símbolo das vitórias do futebol brasileiro. Nem se envergonhar de uma conquista que fez gerações de garotos gostarem de futebol.

Tanto como os de 1958, 1962, 1970 e 2002, é justo homenagear os campeões de 1994.

Sobre o Autor

Paulo Vinicius Coelho é jornalista esportivo, blogueiro do UOL, colunista da Folha de S. Paulo. Cobriu seis Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018) e oito finais de Champions League, in loco. Nasceu em São Paulo, vive no Rio de Janeiro e seu objetivo é olhar para o mundo. Falar de futebol de todos os ângulos: tático, técnico, físico, econômico e político, em qualquer canto do planeta. Especializado em futebol do mundo.

Sobre o Blog

O blog tem por objetivo analisar o futebol brasileiro e internacional em todos os seus aspectos (técnico, tático, político e econômico), sempre na tentativa de oferecer uma visão moderna e notícias em primeira mão.