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Coluna do PVC

O Brasil gosta mesmo é de demitir técnico

PVC

31/10/2019 13h59

O Corinthians discute menos a saída de Fábio Carille do que o Brasil. Leia-se, do que nós, jornalistas. A entrevista coletiva de Andrés Sanchez atirou contra os jogadores, porque o discurso de parte do elenco é de que o time não tem mais o que oferecer, além de ficar longe da parte de baixo da tabela. O compromisso mínimo do Corinthians é classificar para a Libertadores. Seria a luta pelo título, mas isto não dá mais. Isso implica jogadores, não só o treinador.

Houve um tempo em que havia raras, porém cirúrgicas, decisões de manter técnico e derrubar jogadores. A mais famosa dessas ocasiões está na história do futebol brasileiro com o nome de "Noite do Galo Bravo." Oswaldo Teixeira Duarte, presidente da Portuguesa, demitiu Ratinho, Samarone, Lorico, Marinho Peres, Héctor Silva e Piau, depois de perder para o Santa Cruz, por 1 x 0, em 1972. Manteve o técnico Cilinho. A Lusa ficou doze partidas sem vencer, mesmo depois das demissões. O treinador foi até o final do torneio. No ano seguinte, a Portuguesa foi campeã paulista.

Apesar da crise envolver técnico, elenco e diretoria, é incrível como se aponta o dedo sempre para um só. Todo mundo quer sangue, nesta hora. Chamamos de "cultura do futebol brasileiro." Na verdade, é o nosso analfabetismo.

Há exemplos de times que se acertam depois de trocar técnicos e também de correções de rota com o mesmo nome no cargo.

A manutenção de Tite depois da derrota contra o Tolima é sempre lembrada e pouca gente se recorda que houve outra crise no mesmo ano. Também se dizia que o técnico não resistiria, antes do empate contra o São Paulo, depois de derrotas para o Coritiba e o Santos, caindo da liderança com sete pontos de vantagem, na décima rodada, para a terceira posição no 24o jogo.

Tite corria o risco de cair, segundo o noticiário.

O Corinthians empatou por 0 x 0 e desceu para quarto lugar. Tite continuou e foi campeão brasileiro de 2011.

Fazia seis anos que o Corinthians não passava sete partidas sem vencer. Em 2013, com Tite caindo de maduro depois do título mundial, do estadual e da Recopa Sul-Americana, foram oito jogo sem ganhar. Perdeu para o Internacional, Botafogo, Goiás, Ponte Preta e Portuguesa, empatou com o Náutico, Cruzeiro e Grêmio. Tite pediu demissão no vestiário contra a Portuguesa, foi convencido a seguir, terminou o ano em décimo lugar e depois tirou seu ano sabático.

Andrés Sanchez segue dizendo que não vai demitir Fábio Carille. Ele não está errado. O Corinthians é sétimo colocado, tem o compromisso de se classificar para a Libertadores e o técnico tem contrato para cumprir esse papel. Os jogadores também têm.

Mas parece que ninguém acredita nisso no Brasil. Passamos décadas pedindo trabalhos com início, meio e fim. Na seqüência de derrotas, o remédio é sempre a demissão do treinador.

Não é que Andrés Sanchez não pretenda pagar a multa a Fábio Carille. É que não quer demitir. Não é que tenha convicção de que vai reagir. É que tem um contrato para cumprir e, enquanto houver, a responsabilidade é de Fábio Carille trazer os jogadores de volta à realidade. Se não se sentirem competentes para isso, também caberá a eles tomar a decisão de sair.

Isso vale para Carille, Cássio, Fágner, Manoel, Gil, Danilo Avelar, Ralf, Gabriel, Júnior Urso, Boselli…

Pouca gente acredita em viradas deste tipo e a falta de fé se reforça pelas trocas que deram certo, como Roger por Felipão e Abel por Jorge Jesus, nos dois últimos campeonatos brasileiros. Exceções numa história de 60 anos de Campeonato Brasileiro em que 75% dos campeões tiveram o mesmo treinador do início ao fim.

Há casos de Telê Santana, de cinco jogos sem vitória em março de 1992, campeão do mundo em dezembro, pelo São Paulo. De Tite, já citado, ou de Jorge Jesus, no Benfica. Em 2010/11, perdeu de 5 x 0 do Porto, terminou o campeonato 21 pontos atrás do rival, foi eliminado na semifinal da Liga Europa pelo Sporting Braga. Ficou para ganhar títulos e se tornar o mais vencedor de Portugal.

Ai, se fosse no Brasil…

Sobre o Autor

Paulo Vinicius Coelho é jornalista esportivo, blogueiro do UOL, colunista da Folha de S. Paulo. Cobriu seis Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018) e oito finais de Champions League, in loco. Nasceu em São Paulo, vive no Rio de Janeiro e seu objetivo é olhar para o mundo. Falar de futebol de todos os ângulos: tático, técnico, físico, econômico e político, em qualquer canto do planeta. Especializado em futebol do mundo.

Sobre o Blog

O blog tem por objetivo analisar o futebol brasileiro e internacional em todos os seus aspectos (técnico, tático, político e econômico), sempre na tentativa de oferecer uma visão moderna e notícias em primeira mão.