A semana em que a violência voltou para dentro dos estádios
Ainda há mais casos de facínoras e assassinos travestidos de torcedores a dezenas de quilômetros das arquibancadas do que sentados nelas. Mas a semana começa com a memória fresca pelos episódios de brutalidade dentro dos estádios. Em três clássicos estaduais, nos últimos cinco dias, houve selvageria: Botafogo 0 x 1 Flamengo; Cruzeiro 0 x 0 Atlético; Fortaleza 1 x 0 Ceará. Mais brigas do que gols.
Nos três casos, havia porcentagens maiores para torcedores dos times mandantes do que para os visitantes. Eram 90% de alvinegros no Engenhão, 90% de cruzeirenses no Mineirão, 70% de tricolores no Castelão. Em situações semelhantes, a porcentagem minoritária é ocupada majoritariamente por torcedores organizados, que se sentem donos de 100% do espaço reduzido. Em São Paulo, entre o fim do Morumbi como palco dos clássicos meio a meio e o início da torcida única, houve situação semelhante. As brigas eram entre uniformizados visitantes e policiais militares.
Este blog é e seguirá contrário à adoção da torcida única, prova da falência do ser humano e da vitória da intransigência. No entanto, é justo observar o aumento da sensação de segurança nos clássicos de São Paulo, fenômeno que também tem a ver com a fidelização de torcedores pelos planos de sócios. A lembrança serve aqui para entender como funcionaram as divisões de torcida em São Paulo depois do fim da era do Morumbi como palco dos clássicos e antes da adoção dos 100% para mandantes.
Não foi por segurança que o Morumbi parou de ser sede de clássicos com torcida meio a meio. Em 2008, Juvenal Juvêncio anunciou que não poderia dividir as arquibancadas de forma equilibrada, porque passaria a destinar 25% dela para o espaço Visa, em parceria com a empresa de cartões de crédito que venderia ingressos para são-paulinos. Outro setor, para sócios do clube. Mais 25% onde ficariam os torcedores comuns. Por isso, passou a haver apenas 25% dos bilhetes para os visitantes nos clássicos.
Isso ficou mais óbvio com as inaugurações dos estádios de Itaquera e Allianz Parque. Não dá para fazer torcida dividida nos estádios do Corinthians e Palmeiras, porque a base da torcida é formada por sócios, que compram ingressos para todas as partidas esperando justamente pelo jogo mais atraente.
A primeira experiência assim num clássico no Morumbi, com 90% x 10% de torcida, aconteceu em fevereiro de 2009 e foi trágica. A guerra foi dos uniformizados corintianos com os policiais. Em todos os clássicos de 90 x 10 naquele ano houve distúrbios dentro dos estádios. Nos anos seguintes, a situação se acalmou, aparentemente, porque a polícia entendeu o problema e conseguiu controlar os organizados, "proprietários" do setor visitante.
Dos três episódios da semana passada, dois têm a mesma raiz. Os 10% de atleticanos foram obrigados a esperar 30 minutos para sair do estádio, para não se encontrarem com os cruzeirenses. A minoria tomou posse do setor visitante e tentou invadir os camarotes dos cruzeirenses. Começou a briga. No Castelão, os 30% de visitantes eram compostos, na maioria, por uniformizadas que produziram um lindo mosaico. No final do clássico, a confusão começou contra a polícia. Ou seja, os minoritários sentiram-se maioria no setor.
O Engenhão tem problema de outra natureza. É muito mais enraizado no Rio de Janeiro, do que em Porto Alegre e São Paulo, o hábito das torcidas meio a meio. Mesmo hoje, com a febre rubro-negra e poucos vascaínos, tricolores e botafoguenses, a faixa central das arquibancadas do Maracanã são terra de ninguém, com camisas de rivais em harmonia. Nos Fla-Flus, rubro-negros e tricolores sentam-se lado a lado na parte central e deixam os espaços atrás dos gols para as uniformizadas.
Nem imprensa nem população entendem bem quando se leva um clássico para São Januário ou Engenhão e não se divide meio a meio. O agravante do Nílton Santos na noite de quinta-feira foi a torcida alvinegra julgar que poderia passar humilhação de perder em campo e nas arquibancadas. Neste caso, talvez a melhor solução não fosse dar 10% dos ingressos para os rubro-negros. Seria fazer torcida única. Mas, para isso, haveria necessidade de reciprocidade, e no Maracanã no primeiro turno havia 10% de botafoguenses. Diga-se, sem confusão, num clássico com 45 mil pagantes.
Só há dois remédios para o problema: 1. acabar com a impunidade; 2. recuperar a tolerância e a convivência entre as pessoas.
Tem sido mais fácil assumir a falência do ser humano e fazer clássicos com torcida única.
Mas não pode ser a única solução.
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