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Coluna do PVC

Ismaily e a síndrome de Afonso Alves

PVC

20/03/2018 13h45

Não se pode reclamar da preparação da seleção brasileira para a Copa do Mundo. A escolha dos amistosos, os locais de treinamentos, os adversários de junho, às vésperas da estreia. Muito melhor adotar realismo contra Croácia e Áustria do que enfrentar Zimbábue e Tanzânia, como em 2010, ou o Panamá, como em 2014. O risco de não ganhar a Copa é a força dos rivais. E as lesões. Depois de Neymar, Filipe Luís e Alex Sandro foram cortados e Tite convocou Ismaily.

O nome do lateral formado pelo Desportivo Brasil, com passagem pelo São Bento de Sorocaba, Estoril, Olhanense e Sporting Braga, antes do Shakhtar, só não foi mais surpreendente, porque Tite falou sobre suas atuações na entrevista coletiva depois da convocação para os jogos contra Rússia e Alemanha.

Mas a chamada abre duas discussões. Se é justo convocá-lo em vez de Jorge ou Arana, que se destacaram no Brasil nos últimos dois anos. E se o nível de quem chama a atenção no futebol brasileiro não é suficiente para jogar a Copa do Mundo, mas o nível de quem joga na Ucrânia é.

A dúvida sobre Arana ou Jorge desfaz-se ao perceber o nível de suas atuações recentes. Jorge tem a quarta melhor nota dos jogadores do Monaco no Campeonato Francês, foi bem no clássico contra o Bordeaux, há vinte dias, mas não foi titular nas últimas duas partidas de seu clube, vice-líder na França. Tem sido reserva de Raggi. Arana é o suplente de Escudero e mesmo tendo entrado no decorrer da partida contra o Leganés, na última rodada, ainda não se firmou nos onze do Sevilla.

A comparação é favorável à chamada de Ismaily, lateral nota 6,5, seguro na defesa, bom no apoio.

A outra conversa é sobre o nível do futebol brasileiro.

Há dois dias, o técnico do Sporting, Jorge Jesus, escalou o meia Wendell, ex-Fluminense, pela primeira vez, e afirmou: "Ele precisa entender que é diferente jogar no Fluminense de jogar no Sporting."

O Sporting é terceiro colocado do Campeonato Português e não ganha o título desde 2002.

O Campeonato Brasileiro não está abaixo do ponto de vista técnico do Campeonato Português. Há jogadores que saem do futebol brasileiro e chegam titulares em seus clubes da Europa. Foi assim com Oscar, com Neymar, com Gabriel Jesus. Não foi assim com Coutinho, que também sofre para ser titular do Barcelona, depois de ser titular por quatro anos no Liverpool. Ser craque num time importante da Premier League também não garante titularidade no Barça.

Adaptação é uma coisa. Outra é falta de talento.

Ismaily é um dos jogadores que o Brasil não descobriu e foi aparecer na Ucrânia. Jogou oito partidas da Champions League nesta temporada, o dobro de Jorge. Mas para a seleção brasileira também precisaria de adaptação, em teoria.

O futebol do Brasil não está distante assim do que se joga nas ligas médias da Europa, como as da Ucrânia e de Portugal.

Se Arana estivesse jogando no Corinthians, provavelmente Tite o convocaria. Estaria com mais ritmo e confiança.

Como preferiu Ismaily, chegamos ao espanto. Seu nome, como o de Talisca, como o de William José, remetem ao de Afonso Alves, convocado por Dunga em 2007.

A diferença fundamental é a reação do técnico ao espanto pela convocação. Tite informa. Falou sobre Ismaily e sobre estar observando-o. Dunga reagiu a uma pergunta sobre a presença de Afonso Alves, do Heerenveen, com prepotência: "Você não sabe quem é o Afonso?"

Sempre houve uma certa ditadura do desconhecimento. Até mesmo jornalistas que se preparavam eram muitas vezes eram ironizados. "Isso aí não joga nada!" É sempre melhor conhecer do que desconhecer. Dunga conhecia Afonso Alves e este era um mérito. Assim como Tite está assistindo a tudo. É um valor.

Significa que a seleção não perderá a Copa do Mundo por ignorância.

Mas o conhecimento não garante que todas as decisões sejam corretas.

Sobre o Autor

Paulo Vinicius Coelho é jornalista esportivo, blogueiro do UOL, colunista da Folha de S. Paulo. Cobriu seis Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018) e oito finais de Champions League, in loco. Nasceu em São Paulo, vive no Rio de Janeiro e seu objetivo é olhar para o mundo. Falar de futebol de todos os ângulos: tático, técnico, físico, econômico e político, em qualquer canto do planeta. Especializado em futebol do mundo.

Sobre o Blog

O blog tem por objetivo analisar o futebol brasileiro e internacional em todos os seus aspectos (técnico, tático, político e econômico), sempre na tentativa de oferecer uma visão moderna e notícias em primeira mão.