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Coluna do PVC

Jorge Jesus traz junto com ele um velho preconceito

PVC

11/06/2019 12h22

Carminho é uma cantora do novo fado português e amante da música brasileira. Antes de realizar seu desejo de gravar "Retrato em branco e preto", de Tom Jobim e Chico Buarque, deu-se ao trabalho de enviar um correio eletrônico, como também se diz em Portugal, ao autor vivo da canção. Pediu-lhe permissão para trocar a expressão "Você" por "Tu" num dos versos mais fortes.

"Trago o peito tão marcado, de lembranças do passado e você sabe a razão."

No tal correio eletrônico, explicou a Chico Buarque não poder usar o pronome em terceira pessoa numa canção de amor. Em Portugal, diz-se "Tu."

Solícito, Chico autorizou a mudança, com uma condição: o reconhecimento de ser o primeiro autor a permitir a tradução de seu idioma para seu próprio idioma.

A genial resposta contrasta com algumas piadas óbvias depois da apresentação de Jorge Jesus. Houve quem pusesse reparo em expressões que não se entende. Melhor pensar sobre o teor tático. Melhor do que tratar das sutis diferenças da nossa língua portuguesa, que é a mesma, num tempo em que a aldeia global se comunica em inglês, espanhol e mandarim.

Jorge Jesus foi, ele mesmo, o mais preciso ao relatar as diferenças: "Aqui se diz elenco, nós plantel." Os jornais portugueses destacaram que Jesus completou a frase dizendo que há adjetivos com os quais precisará se adaptar. Não importa nem sequer que elenco e plantel sejam substantivos. O melhor é que se escute.

Quem tem mais de 40 anos sabe como os portugueses foram tão bem recebidos aqui, no século 20, quanto tratados de forma jocosa. O dono da quitanda, o entregador de pão, o meu pai, que aqui chegou aos 9 anos e aprendeu, cedo, que precisava livrar-se do sotaque, para não ser motivo de chacota.

Hoje, copiamos a literatura futebolística produzida em Portugal. Não é preciso trocar o nome de pontas por externos, mas entender que nos últimos vinte anos os treinadores de lá fizeram mais sucesso do que os de cá. José Mourinho, Leonardo Jardim, Paulo Fonseca, Marco Silva, Nuno Espirito Santo, André Villas Boas, Fernando Santos, Jorge Jesus…

O idioma do futebol é universal.

A língua portuguesa hoje é falada por aproximadamente 260 milhões de pessoas no mundo, dos quais 210 milhões residem no Brasil. Isso não exclui que o português seja nosso, mas criado por eles, o que indica que o sotaque é daqui e não de lá.

Então, sucesso ao gajo!

A torcida do Flamengo sente uma dor que não mata, como a saudade de quem nos morre, como escreve Isabela Figueiredo, no premiado "A Gorda." Traz o peito tão marcado de lembranças do passado e tu sabes a razão.

Pois que Jesus saiba a solução.

Sobre o Autor

Paulo Vinicius Coelho é jornalista esportivo, blogueiro do UOL, colunista da Folha de S. Paulo. Cobriu seis Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018) e oito finais de Champions League, in loco. Nasceu em São Paulo, vive no Rio de Janeiro e seu objetivo é olhar para o mundo. Falar de futebol de todos os ângulos: tático, técnico, físico, econômico e político, em qualquer canto do planeta. Especializado em futebol do mundo.

Sobre o Blog

O blog tem por objetivo analisar o futebol brasileiro e internacional em todos os seus aspectos (técnico, tático, político e econômico), sempre na tentativa de oferecer uma visão moderna e notícias em primeira mão.