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O balanço dos lances interpretativos do árbitro de vídeo

PVC

01/04/2019 07h31

O domingo amanheceu em Lindóia, onde os árbitros do Campeonato Brasileiro são treinados para serem assistentes de vídeo a partir de maio. Na mesa do café da manhã, havia divisão de opiniões sobre o lance mais polêmico do sábado. Alguns julgavam que houve pênalti de Reinaldo em Dudu, em São Paulo 0 x 0 Palmeiras. Outros que não. Mais evidente ainda era divisão de opiniões entre os que entendiam que se deveria usar ou não usar a revisão eletrônica.

Boa parte entendia que, se o protocolo indica o uso do monitor à beira do gramado, então é para ser usado mesmo em lances que oferecem duas ou mais interpretações. Uma parte julgava que, por ser lance de interpretação e porque o árbitro estava bem posicionado, o assistente de vídeo, Raphael Claus, não deveria chamar a atenção do árbitro Vinicius Furlan.

Esqueça por um momento se houve pênalti, ou não, de Reinaldo em Dudu. Se foi falta ou não de Matheus Ferraz em Rodrigo Caio, no Fla-Flu, ou se Everaldo forçou o contato contra Léo Duarte, também na semifinal do estadual do Rio, na quarta-feira (27). As perguntas fundamentais não são estas, mas se o VAR deve ou não ser usado em lances que não sejam claros e óbvios, como diz a cartilha da Federação Paulista.

Era assim na Copa do Mundo. Na final, um toque na mão de Perisic foi entendido como normal pelo árbitro Nestor Pitana e revisado como pênalti no vídeo. Como houve desvio na cabeça de Matuidi uma fração de segundos antes, não foi pênalti. Ou melhor, foi lance de interpretação, que causou polêmica, inclusive entre os assistentes de vídeo, flagrados em debate acalorado no intervalo da finalíssima, enquanto iam ao banheiro do centro de imprensa, em Moscou. O comentarista de arbitragem do FOX Sports, Carlos Eugênio Símon, viu de perto a discussão entre os que achavam pênalti e os que julgavam lance normal.

A base da regra do futebol é o fair play. Tanto que a consolidação das leis do jogo, em Cambridge, 1863, não incluía o árbitro. Não era parte do jogo. Só 21 anos depois, em 1894, as discussões entre capitães fizeram a International Board dar autoridade máxima a uma pessoa que determinaria se houve ou não intenção, se foram ou não deliberadas as faltas, toques na mão ou agressões a adversários.

Até hoje, definimos que nossa opinião é a prioritária. Especialmente nesta nossa era de redes anti-sociais, em que predomina dizer "eu acho."

No caso do VAR, a pergunta não é o que você acha, mas como se vai fazer o futebol ter mais certeza de que as decisões adotadas foram as mais corretas e idôneas. No início do processo de implantação do assistente de vídeo, o discurso era de mínima interferência com máximo benefício. Hoje, a interferência não é mínima e o benefício ainda não é o de diminuir a desconfiança.

O projeto inicial da CBF era diferente do da International Board. Entendia que o VAR deveria ser o grande corretor. Interferir no que sabidamente tinha sido erro. Corrigir o gol de Lampard, na Copa de 2010, e também o lance mais escandaloso daquele mundial, quando Tévez marcou em impedimento e o árbitro italiano, Roberto Rossetti, percebeu o erro de validar o gol quando viu no monitor do estádio Soccer City que seu bandeira havia falhado. Como não podia usar o vídeo como informação, apitou o reinício da partida, vencida pela Argentina por 3 x 1 sobre o México.

Os dois lances de 2010 convenceram as autoridades da Fifa de que era preciso mudar alguma coisa e não eram interpretativos. Eram flagrantes.

De uma semana para cá, houve dois lances discutíveis mudados pelo VAR no Fla-Flu e o pênalti sobre Dudu são todas jogadas que permitem interpretação. Para a maioria, não houve pênalti de Reinaldo. Para mim, não foi. Mas a descrição da jogada mostra que poderia ter sido marcado. Dudu tomou a frente de seu marcador, Reinaldo coloca a mão em suas costas e nenhum dos dois toca na bola. Em velocidade, a mão nas costas desequilibra. A pergunta é se Dudu dobrou as pernas de propósito ou se foi por estar em velocidade e ser tocado pelas costas. É interpretação.

Vinicius Furlan achou que foi pênalti de Reinaldo em Dudu. O assistente Raphael Claus sugeriu a revisão. O assistente não tem o direito de dar opinião em jogadas assim, mas ao sugerir a revisão, já opinou. Quando o melhor árbitro do Brasil, Raphael Claus, diz a Vinicius Furlan para rever a jogada, Furlan já entendeu que errou, na opinião do colega.

Aconteceu semelhante num pênalti a favor do Ajax, contra o PSV. David Neres foi calçado. O árbitro Bjorn Kuipers não viu o toque exclusivamente na perna do atacante brasileiro. Foi aconselhado a rever. Marcou pênalti. É uma jogada, em tese, igual à de Dudu com Reinaldo. Só que não. Porque houve o deslocamento da perna sem nem chegar perto da bola. Objetivamente, na Holanda só havia uma coisa a marcar: pênalti. No Morumbi, havia duas hipóteses.

Todos os lances de VAR problemáticos são os de interpretação. A pergunta é o que se deve fazer com isso?

Se o VAR corrigisse o que é claro e óbvio e deixasse a interpretação para o campo, seguindo a lógica do fair play que vem desde 1863, os problemas diminuiriam. Esta é a interpretação do blog depois de uma semana de discussões. Já era antes desta semana.

Mas é preciso admitir que o processo será aprimorado. A lógica é evoluir.

O bom ponto será quando o VAR tiver mínima interferência e máximo benefício. Ou seja, quando as revisões forem em lances incontestáveis. Nesse caso, o futebol ganhará o que o VAR nasceu para oferecer: a percepção de que há total honestidade em todos os resultados.

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Sobre o Autor

Paulo Vinicius Coelho é jornalista esportivo, blogueiro do UOL, colunista da Folha de S. Paulo. Cobriu seis Copas do Mundo (1994, 1998, 2006, 2010, 2014 e 2018) e oito finais de Champions League, in loco. Nasceu em São Paulo, vive no Rio de Janeiro e seu objetivo é olhar para o mundo. Falar de futebol de todos os ângulos: tático, técnico, físico, econômico e político, em qualquer canto do planeta. Especializado em futebol do mundo.

Sobre o Blog

O blog tem por objetivo analisar o futebol brasileiro e internacional em todos os seus aspectos (técnico, tático, político e econômico), sempre na tentativa de oferecer uma visão moderna e notícias em primeira mão.


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